quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Hipo.

Por um instante, você pareceu ser a mulher da minha vida. Aquela com que eu ia casar, ter filhos, comer fondue na praia em janeiro, dançar baboseiras eletrônicas de 200 bpm como se fossem lentas da época do colégio. Até recitar Maria Rilke só para você eu ia! Mas, de repente, vi você bebendo água. Nenhum problema, se você não estivesse encostando os lábios no bocal do bebedouro.

Me enganei totalmente a seu respeito.

Barra Funda.

No meio do julgamento, o réu confesso (crime hediondo) virou para o júri, apontando para mim entre os 7, e disse: "Quem é você para decidir a minha vida? Você não consegue nem decidir a sua."

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Platinum.

Fizemos quatro anos de casamento. Comprei seu presente em 12 vezes de R$13,00.
Não que eu tenha ficado pobre depois que comecei a viver do seu lado.
Mas é que queria conseguir lembrar de você pelo menos por mais um ano.

Nem que fosse só no dia que a fatura chegasse.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Best of.

Li na Dazed que era cool. Gravei uma mixtape para você. BASF Ferro Extra I. Afghan Whigs + The Zombies + Misc. Você adorou. Só disse que não tinha tape. Nada de auto-reverse. Nada de duplo deck. Ótima ideia. Vamos fazer um chá. Chá de fita. Dor nos rins. Você disse para mim: ficou boa essa reforma no Samaritano, hein?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Neve.

Dr. Neuer é um cardiologista respeitadíssimo do hospital de Innsbruck. Suas técnicas excêntricas têm obtido sucesso na comunidade internacional, inclusive em Hollywood, famosa pelo acolhimento a austríacos. Seu procedimento mais inovador é bastante controverso: ao invés de um marca-passo, Dr. Neuer implanta no coração de seus pacientes um navegador GPS.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Bula

Ele amava Cristina. Cristina não o amava. Nem podia, já que ele nunca se abriu com ela. Durante 39 anos, guardou aquele segredo dentro dele. Obviamente, esse segredo se transformou em câncer. Dois anos antes de morrer, fez quimioterapia.

E foi ali, sem ligar muito para o prefixo, que pôde finalmente ter (direto na veia) o que sempre quis: vincristina.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Mar

Toda vez que iam ao litoral, ele pedia para ela usar fio dental. Ciúmes zero. Nada dava mais prazer a esse homem do que aquela cena. Não se importava com a sujeira de um dia inteiro na praia: depois que sua esposa usava o tal fio dental, ele implorava para lamber e mordiscar aquele fio inocente. Inclusive engolia as impurezas, sempre com o maior tesão. Toda noite era a mesma coisa. Lá estava ele no banheiro, como um cão aguardando o osso, à espera da mulher terminar de limpar suas gengivas.

domingo, 27 de junho de 2010

Fazenda

Enquanto esperava na fila da farmácia, ouvi você dar o número do seu CPF ao caixa. Pronto: Nota Fiscal Paulista. Ter algo em comum, esse desejo por 30% do ICMS de volta, foi o suficiente para eu me apaixonar. Mas você foi embora com sua caixa de Valium.

Me senti como um contador: seus 11 números para sempre na minha memória e um monte de contas para acertar.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Becel

Comprei dois quilos de explosivos e um bisturi. Você sempre bebeu muita vodca, o que dispensou o anestésico. Enquanto você dormia, totalmente bêbada, fui abrindo seu tórax lentamente com o mesmo cuidado de quem toma uma sopa de ervilhas muito quente e não quer queimar a língua. Que cena linda: dinamite, átrios e ventrículos. Explodi seu coração.

Você nunca precisou dele mesmo.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Paternidade.

Marcella deu um beijo de tchau em seu pai, enquanto se dirigia à porta. Rapidamente ele pegou um papel, anotando algo ali. Entregou a ela e disse para só abrir ao chegar no Carnafacul, a micareta para onde Má ia com mais 5 amigas. Perto do Anhembi, lembrou do bilhete.

Ao abrir, leu: "Mononucleose, Herpes, Citomegalovírus, Sífilis, Hepatites A, B e C, Cárie, Meningite, Gripe e HPV. Cuide-se, meu bebê."

domingo, 9 de maio de 2010

Bivolt

Era a nossa lua-de-mel nos alpes austríacos.
Tínhamos um acordo: apenas uma e não dezenove vezes como faria um casal comum, desesperado e, provavelmente, evangélico. Duração? Três horas e meia sem tirar. "Danadinho esse Cymbalta... Delícia de efeito colateral, amor!"

De repente, sistema de calefação pifou. O cigarro tinha sido outro acordo, então faltava isqueiro para acender a lareira.

Só nos restaram cobertores e... um secador de cabelo, que usei em você na velocidade três. Percorria todo o seu corpo em movimentos circulares e precisos. Que belo corpo, que belo design esse da brAun. Lembro de ter me emocionado quando ouvi: "Sua criatividade me excita, amor!".

quinta-feira, 22 de abril de 2010

38

Quando fomos assaltados na 9 de julho, senti seu corpo tremer no banco do carona.
Passa sua carteira e o anel dessa vaca, disse o ladrão.
Com a arma apontada para a minha cabeça, não tive dúvida: enfiei a mão do marginal dentro volante e girei sem dó, até ele largar o revólver.
Você me olhou com um olhar inédito, tenro, excitado.

Pois saiba que eu tinha contratado aquele cara para fazer esse serviço. E não me culpe por querer ser seu herói.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Soja.

Não podia ser diferente. Então comecei pelos seus pés. Depois fui para as pernas. Primeiro a deliciosa panturrilha, depois as suculentas coxas e finalmente o começo do bumbum. Tenho que admitir, as nádegas deram trabalho. Mas você adorou o resultado. Continuei subindo. Barriga, seios, pescoço... até chegar no meu lugar preferido: suas bochechas.

Juntei todos os pedaços no prato. Já te disseram que você dá um ótimo Steak Tartar?

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Cuidados.

Comprei uma capa para o iPhone.
Deixei o plástico nos bancos do carro novo.
Coloquei o laptop dentro do case.
Enrolei seu corpo no plástico bolha.

Queria que você ficasse assim, desse jeitinho, para sempre.

Pena que você morreu sufocada.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Infância.

Quando eu tinha 3 anos, você quis fazer amor comigo.
Pena que você era muito mais nova do que eu.
O que o código penal ia pensar de mim?

Talvez seja tarde, mas preciso te dizer uma coisa: você era a menina mais gostosa do berçário.

terça-feira, 9 de março de 2010

Casamento.

Aos poucos fui envenenando nosso relacionamento de 9 anos.
Minha ideia era que você terminasse tudo, porque, você sabe, sou covarde.
Depois de 1 ano, o juiz aceitou o pedido de divórcio.

Por que eu não consigo tirar sua foto da carteira?

Antes.

Queria conhecer você por inteiro, antes de qualquer coisa.
Cada estria, cada celulite, cada mancha de velhice, cada buraco de acne mal cicatrizado.
E vai que você não faz aquilo com a língua que eu gosto tanto.
Para que gastar todos meus truques de sedução baratos?

Desisto de você. Agora.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Cadillac Eldorado 55'

Anotei a placa do seu carro. Aliás, tenho que admitir, belo veículo para um gênero que não entende nada de automóvel.
Liguei para o meu despachante e, mentindo, disse que você bateu no Civic da minha mãe.
Consegui seu nome, endereço, telefone e chocolate preferido através de uma comunidade no Orkut.

No fundo, o que sempre me excitou foi o fato de você nunca saber quem te mandou aquele Toblerone branco.

Desejo.

Quero ser o primeiro diretor brasileiro, mesmo que com sangue totalmente albanês, a ganhar um Oscar.
Quero ser o primeiro presidente a legalizar o uso recreativo da morfina.
Quero ser o primeiro homem a transar com mais de 5000 mulheres sem pegar nenhuma variante de HPV.

Mas tudo bem se eu quiser apenas ganhar um salário de merda para sustentar minha filha do primeiro casamento.

Namoro na TV.

Coloquei seu nome no Google.
Queria saber tudo sobre você.
Mas só te encontrei em listas antigas com resultados de vestibulares.
Descobri que você queria ser médica, mas acabou entrando em biomedicina.

(Só queria que você soubesse que eu não me importo em ser a segunda opção.)

Prepúcio.

Quando disse que nunca mais queria te ver, eu falava sério.
Mas quando fui operar minha fimose, lá estava você.
Na maternidade do Einstein, tendo seu 3º filho.

Sem mim.